Review: The Last of Us: Parte II (PS4) é, primordialmente, sobre empatia


  
Na penúltima sexta-feira (19), a tão aguardada sequência do clássico de PS3 estava em nossas mãos. The Last of Us: Parte II vem em meio à um mundo pandêmico, caótico e sedento por entretenimento. Mas a dúvida fica: essa sagaz vontade de devorar a sequencial história da relação pseudo-paternal entre Joel e Ellie valeu a pena? É sobre isso que eu irei falar hoje no meu review de The Last of Us: Parte II, game exclusivo de PlayStation 4, onde o game foi finalizado com aproximadamente 23 horas de gameplay no modelo de PlayStation 4 Slim.

Vale lembrar que esta análise contém spoilers, portanto não é recomendada para aqueles que se importam em preservar integralmente uma reação aos acontecimentos da trama do game e não finalizaram o mesmo. Dito isso, vamos ao review!



O game começa refrescando as memórias do jogador sobre os acontecimentos do original, lançado em 2013 (ano em que o game que estamos analisando em questão se passa) em um diálogo entre Joel e Tommy, já demonstrando os gráficos estonteantes que veremos ao decorrer do game. Andamos de cavalo em um curto período e em seguida já somos introduzidos à uma nova mecânica do game em comparação: os flashbacks.


Pelo game se passar 4 anos depois do original, alguns acontecimentos ocorreram no meio-tempo entre a linha do tempo do The Last of Us original e da Parte II.

Esses flashbacks nos proporcionam doces (e para nós, inéditos) momentos de relações entre os personagens do game. Ellie e Joel, que se encontram em uma complicada relação após descobertas da Ellie sobre os acontecimentos do final do primeiro The Last of Us, tem toda essas intrigas “adolescentrícas” de Ellie explicadas por meio de flashbacks. Eles mecanicamente falando funcionam de forma impecável e servem muito para explicar alguns pontos da história que, sem os flashbacks, certamente ficariam soltos.

Após isso, tomamos conhecimento de como Ellie se encontra 4 anos depois da memorável aventura do original. Todos os personagens, como esperado, envelheceram, amadureceram e criaram novas visões de mundo, principalmente Ellie, que se encontrava com 14 anos no game original. Dando uma leve introdução sobre a premissa do enredo, acho que podemos seguir em frente. Inicialmente, vamos falar do enredo, depois partimos para as partes técnicas.




Uma lição sobre empatia

Compreender os acontecimentos deste game é como uma longa digestão. Além de reflexão após finalizar a história, muito da premissa do game é sim sobre empatia, se colocar no lugar dos personagens ao decorrer da trama. De fato, a premissa de The Last of Us: Parte II antagoniza completamente a premissa do original, incluindo a quebra de filosofia no final (que ocorre em ambos os games). The Last of Us nunca foi sobre heróis e vilões, mocinhos e canalhas, o jogo sempre foi sobre seres humanos, pessoas falhas e que, acima de tudo, erram. Ora razão, ora emoção, refletimos constantemente sobre o que defendemos. TLoU é uma das diversas obras artísticas que exemplifica isso, de certo modo. Se Joel foi adotado por você como um herói, seja honesto consigo mesmo de admitir que ele nunca foi um. A sua morte exemplifica um sentimento proposital de raiva, de estar inconformado. É uma morte de carga emocional certamente pesada, difícil de digerir. Mas, em 2 horas de gameplay, uma coisa é clara: o game até então não justifica tudo isso.

Ele apenas traz a sensação de estar inconformado, a sensação de impotência, de perda, aquilo que sentimos na pele junto com Ellie. O luto, que para alguns foi como a perda de um ente querido e de outros foi apenas uma morte de personagem, justifica a premissa de vingança que é dada na atmosfera de como o jogo se vende, antagonizando a filosofia de amor do primeiro. Mas como diria Seu Madruga, “A vingança nunca é plena, mata a alma e a envenena”.

Enquanto estávamos na sede busca pela vingança da morte de Joel, o jogo vira para aquilo de mais improvável: controlamos Abby, a cruel assassina de Joel. Mas afinal, como o jogo quer que você controle aquela que cometeu o mais cruel dos atentados contra alguém que criamos laços emocionais tão fortes? A razão parece clara desde o início: tentar, de alguma forma, fazer-nos entender o outro lado da moeda. Qual a relação de Abby com Joel?

Com pouco tempo de gameplay com Abby, descobrimos que o médico que operaria Ellie foi brutalmente assassinado por Joel no primeiro game era, na verdade o pai de Abby. Seu pai, a esperança da prometida cura dos Vagalumes, o legado dele, tudo foi arrancado de Abby da forma mais brutal possível por Joel. Talvez (e muito provavelmente) a cura não seria produzida em longa escala, talvez a morte de Ellie não valesse em prol da causa. Mas...como você ia pensar nisso? A chance mínima de restauração da humanidade estava ali. Abby perdeu essa esperança, como o resto da humanidade, mas também perdeu a principal imagem na vida dela.
E colocando tudo isso em perspectiva, assim como a busca por vingança de Ellie é justificável, a de Abby é tão justificável quanto. Talvez naquele ponto do game, uma reflexão dessas não poderia ser feita pelo nosso apego emocional com Joel e Ellie, coisa que era ausente com Abby. Enquanto Ellie buscava vestígios de todas as fontes possíveis do paradeiro de Abby para vingar a morte de Joel, Abby se culpava pela morte de Joel e questionava o valor da sua vingança. Essa redenção filosófica muito se deve ao caráter da personagem, que é notório ir contra tudo isso.

Abby aos poucos percebe o valor de sua vingança, mesmo sabendo que tinha motivos de sobra para ter feito da morte de Joel um instrumento de tortura muito mais cruel. Em busca de toda essa vingança, Ellie mata todos aqueles que não dão a informação precisa do paradeiro de Abby. Enquanto isso, Abby procura Owen para descobrir os acontecimentos envolvendo ele e Manny. Nesse meio-tempo, conhece Lev e Yara, “cicatrizes” (ou “serafitas”) majoritariamente desacreditados por sua própria comunidade após Lev raspar a cabeça, decidem ajudar e salvar Abby de um sequestro por parte de Yara e Lev.

Mel, namorada de Owen e então grávida do mesmo, acredita que a ligação de Abby com os irmãos renegados por parte dos serafitas é apenas um “teatro” de Abby. Salvar Yara - que se encontrava fora de condições para dar fuga de serafitas - e Lev além de uma obrigação moral pra Abby como forma de quitar sua dívida de vida com os irmãos, o suporte por parte da personagem serve também como um refúgio emocional para aquele que deve ter sido o momento mais difícil na vida de Abby. Se amparar emocionalmente naquelas crianças era uma válvula de escape para o caos que vingar a morte de seu pai se tornou, algo não compreendido por Mel.

The Last of Us: Parte II é uma obra que funciona primordialmente sobre imersão, sobre empatia, sobre se colocar no lugar do outro. Você sente na pele a inconformidade de perder alguém tão querido pra gente quanto Joel de forma torturante e, posteriormente, sente a inconformidade da morte do pai de Abby, mesmo que com uma empatia completamente menor por falta de conexão com o personagem, diferente de Joel que vivemos uma jornada inteira com ele no game original em 2013.

Por isso, a sede por vingança é mútua entre Ellie e um jogador, um sentimento propositalmente causado pela Naughty Dog. E então, no meio dessa jornada, o game te coloca do avesso e você controla Abby, a mulher que até 5 minutos atrás você queria matar. E após o primeiro confronto direto entre Ellie e Abby, notamos como o desenvolvimento de Ellie é mais incongruente que o de Abby, principalmente se desconsideramos os fatos do primeiro game. E ainda mais, notamos como o desenvolvimento de personagens secundários na campanha de Ellie (sim, Jesse e Dina, estou falando de vocês) foi sim medíocre e como isso afeta a nossa empatia com os acontecimentos envolvendo ambos.


E não me entenda mal, eu pessoalmente tenho a Dina como uma das minhas personagens favoritas da geração, mas analisando é preciso separar o meu amor pela personagem e um olhar mais crítico sobre o desenvolvimento dela em si. Então sim, considerando a promoção da presença dela nos trailers e teasers previamente feitos pela Sony no passado, a personagem pouco acrescenta à narrativa e acontecimentos ao decorrer da trama (como sua gravidez) parece muito mais uma desculpa colocada no meio do desenvolvimento sobre como a personagem é apagada ao decorrer da história do que de fato algo que acrescente ao envolvimento da personagem com a trama, uma clara falha de narrativa.

E Jesse, bem...é a pior parte dessa ausência de desenvolvimento de personagens da campanha de Ellie. É um personagem de extrema simpatia, mas de pouca relevância na trama, tanto ao decorrer quanto em seu final. Enquanto Dina ainda apresenta um ponto chave mais ao final, Jesse em sua morte passa longe, muito longe disso. É bizarro como até Alice, o cachorro de patrulha de Owen, é melhor desenvolvido e como você sente muito mais pela morte dela do que a de Jesse. E isso é um claro sinal de problema de narrativa.

Mas ainda voltando ao desenvolvimento de Ellie e Abby, o antagonismo e empatia que o game te faz sentir pelas duas personagens é em um nível muito acima da média no que se diz em narrativa. O sentimento de descobrir os acontecimentos pela primeira vez é algo que você nunca mais irá sentir com tanta intensidade. Ao mesmo tempo que o game mostra como as duas buscaram pelas mesmas coisas ao decorrer da trama, é notório como Abby finalmente lidou com tudo isso de forma mais madura e humana do que Ellie. Numa ambientação caótica, Abby só pensa em quem que resta e que ela ainda ame (Lev), enquanto Ellie leva uma premissa sem pé nem cabeça, disposta de arriscar todo o seu relacionamento com Dina e Jesse Junior, as duas pessoas que ela mais ama àquele ponto do game, numa imatura busca por vingança, já superada por Abby ao ver tudo o que esse ciclo gerou como consequência: a perda de todos os seus velhos companheiros.

Lev, apesar de novo na trama, é talvez aquele que naquele ponto da história tenha sido o personagem mais maduro disso tudo. Descobre sua verdadeira identidade, que o gera um ódio colossal ao ser descoberto pela própria mãe, o que desencadeia a morte da mesma. Instantes depois, perde Yara, a única companheira que ainda restava de sua antiga vida. E se pra Abby, Lev é a única pessoa que a resta, Abby é também a única que pessoa que resta ao Lev. Mas atitudes como implorar pela sobrevivência de Dina no meio do teatro ainda mostra que o lado humano de Lev não foi devastado, mesmo após tantos acontecimentos que basicamente destruíram todo o seu passado. E a medida do que você reflete, se nota como o final é sim impactante.

A busca de vingança custou caro para as duas, mesmo que Abby ainda tenha Lev. Apesar da conta ter saído muito mais cara para Abby, Ellie foi quem ficou com nada no final das contas, incluindo o legado do violão dado por Joel, que foi tirado ao decorrer da batalha final entre Abby e Ellie. Pode ser que existam pontos soltos para outra sequência? Pode, mas me pareceria forçado e desnecessário. Você termina tendo empatia pelas duas, mas também lamentando como tudo acabou para elas. O final é perspicaz em ecoar a falta de necessidade de matar Abby àquele ponto, mas principalmente a última cena do game mostra todo o passado de Ellie que precisou ser deixado pra trás. Mas após analisar o soco no estômago, vamos à parte técnica!


A primeira rasgagem de seda que darei ao game são, certamente, os gráficos. Em um empenho técnico de face tracking não visto desde L.A. Noire, você consegue sentir o fotorrealismo do game em cada cutscene, em cada aparição do rosto dos personagens sentindo dor, prazer, ou até um esboço autêntico de felicidade. Dizer que não encontrei uma textura lá que outra em baixa resolução seria mentira, mas dizer que isso ocorre em grande parte do game seria ainda mais.

Talvez a minha maior crítica nesse aspecto seja o “granulado cinematográfico”, que inibe muitos aspectos estéticos do gráfico apresentado no game. Mas isso é com certeza um pormenor, afinal o game é com certeza um dos mais bonitos até hoje lançados, certamente estaria num top 5 de gráficos dessa geração. A iluminação de itens, armas, tudo impecável ainda que com a falta de Ray Tracing. O refúgio da ilha ao cavalo, em chamas, é provavelmente a cena mais linda tecnicamente falando que eu já vi nessa indústria. Esbocei um sorriso genuíno se atentando à tais detalhes. 
A gameplay é aquilo que você espera depois de jogar o 1: uma evolução singela, mas completamente natural. O jogo não cria novos paradigmas na indústria de forma alguma nesse aspecto (e em nenhum outro), apenas estabelece de forma deslumbrante a execução exemplar de todos os pontos analisados, com exceção da trilha sonora original ao decorrer do game. As partes em stealth são provavelmente as minhas favoritas. Minhas maiores críticas são algumas repetições de gameplay, como partes extensivas em uma mesma mecânica, seja ela de puzzle, tiro ou stealth. E claro, o ritmo quebrado em alguns momentos, onde a gameplay se encontra massante e você só quer terminar aquela parte o mais rápido possível (ênfase aos dias 2 de Ellie e 1 de Abby). As partes “Unchartedianas” não me incomodam de maneira nenhuma, desde que bem executadas. Não é um caso de uma má execução, de longe, apenas de uma boa execução com ressalvas.

A dificuldade do game é questionável em alguns níveis. Do moderado pra baixo, as skills necessárias são baixíssimas, visto o baixo nível de percepção dos inimigos em furtividade e também a morte mais objetiva. Mas em modos mais difíceis, é curioso a permanência de abundância de recursos (que se mostra necessária por você de fato usar esses recursos ao decorrer da trama), que podem frustrar jogadores mais hardcores. Em inteligência artificial, a liberdade dada mesmo em um ambiente linear é surpreendente.

Combinar inimigos, como infectados e lobos, é algo fácil de ser feito e pode ter efeitos essenciais para obter mais facilidade em momentos mais cruciais de furtividade, o que é excelente. Mas ao mesmo tempo, notamos incongruências claras no modo como humanos lidam em comparação aos infectados. Em diversidade de inimigos, temos pouca coisa acrescentada em comparação ao original, mas não acho que isso merece um desenvolvimento de crítica. E sobre os “boss fights”, é uma combinação de repetições bem chatinhas das partes humanas, onde tudo se baseia em alguém com um machado e o conceito de esquiva, chato e repetitivo.


A trilha sonora é, em resumo, boa. Mas com música de banda famosa, é claro que é facil tornar ela especial. Até porque em trilha sonora original, eu achei genérico e péssimo, muito decepcionante comparado ao 1. Pode trazer imersão em alguns momentos, mas não é nada memorável e que fixe na mente ao ponto de você ficar cantarolando a melodia por semanas. Mas eu amo Take on Me, então darei um desconto.

Vale a pena?


The Last of Us 2 é aquele tipo de experiência que não se tem todo ano. Acho compreensível sim aquelas pessoas que simplesmente não curtem o gênero, mas também é um tipo de jogo indispensável se gosta do gênero e tem um PS4. É aquele jogo de final de geração que irá ficar na memória ao falar da quarta geração dos consoles da Sony.

Encerrou com maestria a jornada de Ellie, introduziu de forma sólida Abby como uma nova antagonista. É uma obra com uma representatividade não enfiada goela abaixo como forma de promoção (famoso pink money), mas que traz à tona tal questão de forma sólida. Com poucos clichês “hollywoodianos” (que sim, existem), a história é muito bem amarrada, mesmo que ousada.


PONTOS POSITIVOS:

  • História envolvente, corajosa, de muita empatia e imersão;
  • Gameplay sólido, com mecânicas bem estabelecidas;
  • Trilha sonora não original excelente;
  • Ambientação muito bem pensada e precisa;
  • Gráficos estonteantes.

PONTOS NEGATIVOS:

  • Alguns personagens secundários poderiam ser melhor desenvolvidos;
  • Gameplay com alguns problemas de repetição e ritmo;
  • IA dos humanos conflitante;
  • Trilha sonora original completamente genérica e não memorável, mesmo que promova imersão em alguns momentos.

The Last Of Us: Parte II (PS4)
Nota: 93/100
Um clássico indispensável da 8° geração.