
Todo ano é a mesma coisa: é lançamento atrás de lançamento. Alguns games geram "hype", outros passam despercebidos. Impossível jogar tudo. Mas quem rouba os holofotes geralmente são os jogos de alto orçamento, os famosos AAA. Nós, gamers, passamos o ano inteiro especulando quais serão os indicados ao grande prêmio de Jogo do Ano. O marketing das publishers milionárias é tão agressivo que os títulos mais populares já conquistam o público antes mesmo de serem lançados.
Estamos sempre nessa briga pra decidir qual é o MELHOR jogo do ano ou de todos os tempos, apesar de existirem tantos gêneros diferentes que não faz sentido nenhum comparar.
Eu tento ter um jogo favorito por geração. Afinal é bem injusto comparar um jogo de 5 anos atrás com um atual. A tecnologia ainda não permitia certas coisas e talvez a idéia do desenvolvedor tenha sido um pouco sacrificada. Mas Little Big Adventure 2, de 1997, também conhecido como Twinsen's Odyssey, é a definição exata de um jogo perfeito pra me conquistar. Pra mim ele nunca foi superado até hoje.
O primeiro jogo? Ah sim, ele existe. Mas até os fãs ignoram.
Costumo brincar dizendo que todo jogo deveria ser de mundo aberto, mas isso se deve ao padrão que LBA2 estabeleceu, pelo menos na minha cabeça. Apesar de "open-world" ser uma expressão criada nos últimos anos, alguns games dos anos 90 já tinham toda a liberdade que as máquinas da época conseguiam renderizar. Tanto que alguns afirmam que o primeiro jogo de mundo aberto da história foi Outcast, de 1999.
Twinsen tem dois planetas com cenários totalmente livres pra explorar. Ele foge um pouco da idéia que temos de mundos abertos, mas ainda assim me deixou apaixonado por essa possibilidade, e é algo que eu esperava que todos os jogos de hoje tivessem. Às vezes sinto que a indústria regrediu ao invés de avançar. Tanto que quase todos os jogos que eu jogava em 1998 já eram dublados ou legendados. Coisa que parou de acontecer durante muito tempo e só voltou a se tornar um padrão em 2013.
Como eu disse, a maioria dos jogos envelhece mal, e apesar de achar que ainda vale a pena jogar Twinsen, seria complicado recomendar em 2020 (a incrível trilha sonora, composta por Philippe Vachey, eu recomendo, ouça imediatamente). Mas esta não é a minha intenção. Não estou escrevendo um resumo do enredo, nem mesmo uma análise do game. Esta é a minha história.

Era uma vez...
Entrei no mundo dos games aos cinco anos de idade, com o jogo do Rei Leão, extremamente difícil pra quem tava começando. A partir daí eu jogava qualquer jogo que eu pudesse. Meu pai tinha aqueles disquetes (sim, sou velho) cheios de joguinhos em flash. Ou seja, eu era um jogador casual.Aos sete anos me mudei de cidade e ganhei um computador. Claro, era o computador da família, mas como meu pai trabalhava muito e tinha um PC no escritório, aquela máquina ficava todinha disponível pra mim. Vale lembrar que nessa época era bem incomum ter um computador doméstico. Ou seja, eu era privilegiado.
Era extremamente rotineiro, apesar de ser algo que soa estranho pra geração atual, visitar um coleguinha e passar a tarde toda jogando no Vídeo Game dele. No meu caso eu era um PC Gamer, mas ainda assim existiam jogos que tinham a opção de multiplayer, os dois jogando no mesmo teclado. Era desconfortável, mas era o que tinha. E foi nessa época que eu conheci Cezinha.

O melhor amigo
Eu era bem tímido e tinha dificuldade em fazer novas amizades, mas felizmente Cézar, colega de trabalho do meu pai, tinha um filho chamado Cézar Filho. Criativo, não!?Cezinha logo se tornou meu melhor amigo, e sempre ia lá em casa pra gente passar a tarde toda jogando. Bem, isso quando o jogo dava pra dois, porque geralmente eu jogava e ele ficava só olhando e torcendo. Eu era bem egoísta e não tenho orgulho disso.
Periodicamente, meu pai passava numa banca e trazia pra mim alguma revista que acompanhava um CD-Rom com jogos. Apesar dele odiar Vídeo Games hoje em dia, principalmente por causa do meu vício, devo a ele muito do conhecimento que tenho sobre esta forma de arte, porque ele me apresentou jóias como Grim Fandango, Age of Empires, Claw, Worms, Lemmings, MDK, Time Commando, Ace Combat, Full Throttle e muitos outros. E também foi graças a ele que Cezinha e eu conhecemos o jogo favorito de nossas vidas: Twinsen's Odyssey.
Twinsen não era apenas um jogo, era um universo. Foi ali que eu percebi que não era um jogador casual. Eu sempre gostei de me envolver com os personagens e mergulhar de cabeça no mundo do game. O jogo começava com uma premissa bem simples: o dragão de estimação do protagonista se feriu quando foi atingido por um raio, e cabe a você ir até a farmácia comprar um remédio pra ele.
Chegando à farmácia, você descobre que o remédio só pode ser encontrado em outra ilha (sim, o mundo do jogo é dividido em várias ilhas). Mas pra ir até a ilha do deserto você precisa pegar uma balsa, e está chovendo, então o serviço não está funcionando. Você precisa fazer com que pare de chover, e pra isso você precisa encontrar o mago do tempo que foi aprisionado por um monstro e... pois é, deu pra entender, o jogo é um típico adventure cheio de fetch quests onde uma coisa leva à outra, e no final você termina salvando dois planetas e uma lua. Ou basicamente a galáxia inteira, se preferir, já que o vilão que você derrota planejava dominar outros mundos.
Como eu disse anteriormente, este não é um resumo do plot do game. Esta é só a premissa inicial, a sinopse, já que a história é absurdamente grande e envolve elementos que você nem imagina. Citando um vídeo do canal Invasão Bárbara: "Você vai ter que combater alienígenas, falar com maníacos religiosos, estudar numa escola de magia, se juntar com rebeldes contra tiranos... e de vez em quando você ainda dá umas voltinhas nas costas de uma tartaruga."
Era muito difícil pra duas crianças da nossa idade resolverem os inúmeros puzzles do game. Ficamos MESES presos na primeira parte do jogo. Mesmo assim não desistimos. Diariamente tentávamos desvendar tudo que aquele mundo tinha pra nos oferecer. Geralmente eu jogava e Cezinha ficava me dando apoio moral. Na época eu ainda não sabia da existência de detonados e guias na Internet, até porque a conexão discada era ridiculamente lenta e não podíamos ficar conectados o tempo todo.

A despedida
Tudo que é bom, um dia acaba. O ano mais feliz da minha vida acabou com a separação dos meus pais e o meu retorno pra minha cidade-natal. Eu não me lembro de ter me despedido de Cezinha, talvez eu tenha apagado essa memória triste da minha mente. Eu não tinha celular e as redes sociais ainda não eram uma realidade, então eu perdi contato com ele.Passei 11 anos lembrando dessa época e me lamentando por ter perdido meu melhor amigo. Até que um dia resolvi procurá-lo no Facebook. Foi muito difícil porque eu nem sabia seu sobrenome. Encontrei alguém que se parecia com ele e mandei mensagem. Ele demorou um pouco pra me reconhecer, mas confirmou que era ele. Pra ter certeza que era eu, ele impôs uma senha: Sem pesquisar no Google, qual era o código pra entrar na base lunar em Twinsen's Odyssey?
Seria bem fofo se eu respondesse corretamente, mas minha memória é péssima pra certas coisas. Não soube responder, mas obviamente ele já sabia que era eu e demos muitas risadas. Foi um dos momentos mais emocionantes que já vivi.
Se a minha vida fosse um filme, este seria o momento ideal para os créditos subirem e todos terem um final feliz. Mas a vida, meus amigos... a vida é uma caixinha de surpresas.
Mantivemos o contato por alguns meses, mas não demorei a perceber que aquele amigo do qual eu lembrava não mais existia. Todos mudam em 11 anos. É como jogar um jogo da sua infância e perceber que ele não era tão bom quanto você lembrava, ou jogar um remake e se decepcionar.
Foi mais ou menos o que aconteceu, eu "hypei" esse reencontro durante uma década, mas acabei percebendo que nosso laço já havia sido desintegrado e não tínhamos mais aquela química de antigamente. Naturalmente acabamos perdendo o contato de novo.
Percebi que era melhor manter aquela imagem imaculada do pequeno Cézar intacta nas minhas memórias e não exigir que sua versão adulta fosse exatamente como eu lembrava. Bem, leitor, talvez eu tenha tomado a decisão errada, provavelmente eu deveria ter forçado uma amizade com essa nova versão do meu amigo, mas o que foi feito, foi feito.
Eu decidi contar esta história porque eu vejo a expressão "jogo da minha vida" sendo muito banalizada no Twitter. E pra mim ela tem um peso enorme. Representa a melhor época da minha vida e me lembra do melhor amigo que já tive. Até hoje espero um remake ou uma continuação de Twinsen, coisa que provavelmente nunca vai acontecer, afinal só devem existir uns dez fãs do jogo no mundo, contando com Cezinha e eu.
Cézar, espero que você esteja bem e te desejo toda a felicidade do mundo. Um dia talvez estaremos jogando Little Big Adventure 3 e lembrando de todos os momentos felizes da nossa infância.

"Ferryman, if you please, take me across the raging seas. For a few gems, I take your boat. I cannot swim, I cannot float."